segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Este Livro... Sou Eu


"L'issue lumineuse", Maria-Helena Vieira da Silva. 

Se alguma vez passaram pela experiência (se não passaram, experimentem!) que é entrar numa biblioteca ou numa livraria por iniciativa própria, convido-vos a relembrarem a primeira vez que o fizeram; apelo a vossa memória mais precisamente para o sentimento que experimentaram naquele momento de impasse quando, mesmo com uma possível escolha em mente, tendo diante de vocês um tão grande número de livros igualmente apelativos, teriam que se decidir necessariamente por uma delas. Mais: desafio-vos mesmo a recordarem-se das possíveis razões que vos levaram a fazer a escolha que fizeram naquele instante. Quanto tempo despenderam? Dez minutos? Uma hora? Não se deram pelo tempo a passar?
               
Permanecer durante horas num mesmo espaço absorto num cenário que nos desafia - AQUELA estante. Dedilhar impacientemente a capa dos livros expostos nela. Suspender bruscamente este mesmo movimento com o polegar e o indicador a apontarem cada um deles uma escolha e a batalharem pela preferência das mesmas. Retirar dois ou três livros, ler trechos, hesitar, olhar ao redor na esperança de descobrir uma possivel salvação...  Este ritual não é, de certo, alheio à todo aquele que está habituado a visitar estes locais com alguma frequência. E propunha a todos aqueles que nunca o vivenciaram a passarem por ela. Pois é um acontecimento singular nas nossas vidas que, como muitos que tomaram contacto com ela, se aperebem mais tarde, acaba por infundir grandes transformações nos restantes dias da nossa existência.
               
Mas porque é que isto acontece? Há livros marcantes, há livros que se gosta ou toda a gente gosta, há livros "complicados" e no entanto actrativos; há ainda aqueles que numa dada fase da nossa existência escapam á nossa compressão e nos obrigam  a interroper a sua leitura, sem todavia pô-las de parte pois a sua mensagem, por uma razão especial, era-nos próxima. Enfim, há livros para todos os tipos de temperamentos. Sendo assim, o padrão que geralmente utilizamos para julgarmos as muitas obras que passam pelas nossas mãos são na maior parte das vezes simples manisfestações subjectivas. Esta ideia é melhor ilustrada no quadro que introduz este post.
              
Intitulado "L'issue lumineuse" (Saida Luminosa), esta obra foi pintada pela artista portuguesa Maria-Helena Vieira da Silva entre os anos, 1983 e 1986. Insere-se num periodo particularmente difícil da vida pessoal da pintora: a sua conclusão deu-se um ano após a morte do seu marido, Arpad Szenes também ele pintor. É uma tela desconcertante pois que sobresai nela  uma enorme luminosidade que contraria fortemente o sentimento que mais ocupava o espírito da artista naqueles anos. Os quadros desta pintora possuem a particularidade de nos pôr em contacto com espaços tridimensionais muito próximos de cenários reais, de nos colocar perante áreas fictícias que engendram em si inúmeras interpretações. Na tela presente em cima, este espaço aparenta ser constituido por um aglomerado de pinceladas horizontais em diversas cores que geralmente é tido como sendo uma pilha de livros. Essa sensação de espaço é aumentada pelo portal luminoso no centro, que dá uma sensação tão potente de distância para além, como se abre igulamente para o infinito. E é precisamente neste portal que reside, a meu ver, o significado do fenómeno da descoberta de um livro.

Portanto, não só nos encontramos conosco próprios, como também com o livro descobrimos o(s) mundo(s).  É por meio dela que nos projectamos em terras distantes que nos põem em presença daquilo que no mais fundo caracteriza a nossa pessoa.

Sem comentários:

Enviar um comentário